Ada Maria B. G. Nunes
Internacionalista pela Universidade Estadual da Paraíba • BRASIL
RESUMO:
O presente artigo analisa o tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao Bra sil em 2025 como expressão contem porânea da dependência estrutural que caracteriza a inserção das econo mias periféricas no sistema internacio nal. A partir da Teoria da Dependência e do debate sobre a transição para uma ordem multipolar, discute-se como me didas unilaterais de potências centrais — como a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros — revelam vulnerabilida des históricas, mas também abrem es paço para a reorganização estratégica do Sul Global. O texto demonstra que o cenário atual, marcado pelo fortale cimento de alianças como o BRICS+, pela busca de mecanismos financeiros alternativos e pela crescente interde pendência entre países emergentes, cria condições para que o Sul Global avance como ator relevante na defi nição das normas econômicas globais. Assim, o tarifaço, embora negativo em seus efeitos imediatos, opera como ca talisador para a ampliação do protago nismo político e econômico dos países periféricos.
Palavras-chave: Tarifaço; Sul Glo bal; Dependência; BRICS; Multipolari dade; Comércio Internacional; Desdo larização.
1. INTRODUÇÃO:
A decisão do governo norte-ameri cano, em 2025, de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros — medida amplamente conhecida como tarifaço — reacendeu debates sobre a vulnerabilidade comercial dos países periféricos e sobre a urgência do Sul Global conquistar maior autonomia estratégica nas relações internacio nais. Como destacou o governo nor te-americano ao justificar o decreto, tratava-se de uma medida de “proteção da segurança nacional” (U.S. Govern ment, 2025), revelando mais uma vez o uso político do comércio por parte de potências hegemônicas.
A vulnerabilidade exposta pelo ta rifaço confirma o que autores da Teo ria da Dependência, como Dos Santos (1978), já afirmavam: que as econo mias periféricas têm sua dinâmica condicionada por decisões externas, sendo estruturalmente vulneráveis às pressões e sanções dos países centrais.
Assim, este artigo utiliza destes ar gumentos baseados no TCC da autora, articulando-os com o cenário atual pa ra analisar como o tarifaço revela não apenas a fragilidade do modelo depen dente, mas também a oportunidade histórica para o Sul Global emergir como centro de decisões econômicas e políticas no sistema internacional.
2. O TARIFAÇO COMO EX
PRESSÃO DA DEPENDÊNCIA
CONTEMPORÂNEA
Diversos A sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros afetou aproximadamente 35,9% das exportações para os EUA (Reuters, 2025). Como consequência, setores como calçados, agroindústria e rochas ornamentais sofreram de missões e cancelamento de pedidos (Brasil de Fato, 2025).
Esse cenário materializa a tese clás sica de Theotonio dos Santos (1978), segundo a qual a dependência se ma nifesta quando “o desenvolvimento de determinadas economias está subordi nado à expansão de outras”. Em outras palavras, decisões unilaterais dos EUA repercutem diretamente sobre o em prego, a produção e a balança comer cial brasileira.
Da mesma forma, Marini (1973) ex plica que países periféricos, ao inte grarem-se de maneira subordinada ao mercado mundial, tornam-se reféns das regras impostas pelos centros he gemônicos — algo evidente quando tarifas, sanções ou mudanças políti cas externas impactam desproporcio nalmente suas economias. O tarifaço, portanto, não é um acontecimento isolado, mas parte de um padrão de coerção econômica que reafirma a po sição subalterna da periferia na hierar quia global.
3. A RECONFIGURAÇÃO DO SISTE
MA GLOBAL E A OPORTUNIDADE PARA O SUL GLOBAL
3.1. Crise da hegemonia estadunidense
Diversos autores assinalam que o sistema liderado pelos EUA passa por um processo de erosão. Cox (1986) des taca que hegemonias entram em declí nio quando deixam de controlar os mecanismos estruturais da economia mundial. Hoje, como apontam dados do FMI (2021), a participação dos EUA no PIB global em PPC caiu ao menor nível em décadas. Somam-se a isso o uso recorrente de sanções econômi cas e instabilidade na política externa norte-americana, fatores que enfra quecem sua legitimidade. Wallerstein (1996) reforça que mudanças na hegemonia abrem espaço para o surgimen to de novos polos de poder — cenário no qual China, Índia e BRICS+ emergem como alternativas.
3.2. Avanço institucional do Sul Global
Para Amin (2005), o imperialismo molda estruturas de dominação que garantem aos centros controle finan ceiro e tecnológico. Porém, ele tam bém afirma que novas coalizões Sul Sul podem romper gradualmente esse padrão se investirem em instituições próprias.
Isso já ocorre: maior comércio entre países emergentes; expansão do BRICS e criação de sistemas como BRICS Pay; adoção crescente de swaps cambiais e acordos sem dólar; fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).
Como afirma Batista Jr. (2024), a construção de instrumentos próprios de liquidação financeira é essencial pa ra que o Sul Global “reduza a vulnera bilidade diante de medidas unilaterais de Washington”.
Nesse sentido, o tarifaço funcionou como um catalisador, acelerando ini ciativas regionais e multilaterais que buscam autonomia comercial.
4. A CENTRALIDADE POTENCIAL DO SUL GLOBAL
4.1. Mudança no eixo do comércio mundial
O comércio do Brasil com BRICS já superou o comércio com EUA e UE somados (CNN Brasil, 2024). Outras regiões — Oriente Médio, África e Ásia Meridional — também fortalecem par cerias horizontais.
Isso confirma a análise de Bai (2024), segundo a qual o “Sul Global tornou-se fornecedor indispensável de energia, alimentos e manufaturas para o siste ma mundial”, razão pela qual países emergentes passam a ter maior capaci dade de barganha.
4.2. Reorganização das cadeias produtivas
A busca global por diversificação de cadeias produtivas — acelerada por tensões geopolíticas — beneficia paí ses emergentes. Como mostra Ocampo (2017), momentos de crise no sistema internacional frequentemente abrem janelas de oportunidade para econo mias periféricas ampliarem sua rele vância produtiva.
Um tarifaço como o imposto aos brasileiros reforça, paradoxalmente, o movimento de empresas internaciona is em buscar parceiros não alinhados a disputas entre potências.
4.3. Possibilidade de influência normativa
A vulnerabilidade comercial do Sul Global é também resultado da falta de participação real na definição das nor mas do comércio internacional. Ao for talecer coalizões plurilaterais, esses países podem:
• propor novas regras;
• contestar sanções unilaterais;
• construir consultivos econômicos próprios;
• democratizar espaços decisórios globais.
Como afirma Pecequilo (2023), o BRICS representa uma “tentati va civilizatória de deslocar o eixo decisório do Ocidente para um mundo multipolar”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tarifaço imposto pelos Estados Unidos não apenas afetou exportações brasileiras e setores produtivos especí f icos. Ele expôs de maneira evidente as contradições da ordem econômica in ternacional e a fragilidade da posição periférica. Com base na Teoria da De pendência, o episódio pode ser enten dido como manifestação contemporâ nea do poder estrutural norte-ameri cano — mas também como um gatilho histórico para o fortalecimento das alianças do Sul Global.
Se conseguirem consolidar meca nismos financeiros próprios, ampliar integração produtiva e articular um projeto de desenvolvimento autôno mo, os países do Sul Global podem transformar vulnerabilidade em força e tornar-se decisores centrais na or dem mundial emergente.
References
AMIN, Samir. O Imperialismo, passado e presente. Tempo, v. 9, n. 18, 2005.BAI, Gao. BRICS e o futuro da ordem financeira internacional. Wenhua Zongheng, 2024.
BATISTA JR., Paulo Nogueira. BRICS: como chegar a uma nova moeda de reserva internacional. Brasil de Fato, 2024.
BRASIL DE FATO. Tarifaço de Trump gera demissões no setor exportador brasileiro. 2025.
CNN BRASIL. Brasil vende mais para BRICS do que EUA e UE juntos. 2024.
COX, Robert. Social Forces, States and World Orders. Millennium, 1986.
DOS SANTOS, Theotonio. O Estruturalismo e a Teoria da Dependência. 1978.
FIORI, José Luís. O Poder Americano. Vozes, 2004.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. 1973.Ocampo, José Antonio. Resetting the International Monetary (Non)System. Oxford University Press, 2017.
PECEQUILO, Cristina. Entrevista à BBC e análises sobre BRICS. 2023.
REUTERS. Brazil sees 35.9% of exports to US facing steeper tariff. 2025.
U.S. GOVERNMENT. Executive Action on Tariff Increase. Washington, 2025.
WALLERSTEIN, Immanuel. After Liberalism. 1996.










